A PINTURA DE IVAN MARINHO
Círculo, roda, ciranda. Mancha cósmica. Explosão vulcânica.Movimento vivo em permanente expansão.Útero.Gestação.Posto em diálogo aberto e franco com a pintura de Ivan Marinho, esses sentimentos me assaltam e emocionam.Esse círculo eletrizante, sei que é o povo: o de Ivan, o meu, o de todos nós brasileiros, pulsando, "frevendo". Povo que canta, que dança inventando tudo que denominamos Cultura Brasileira, "mestiçaria" explícita. Aqui está a vitalidade explosiva de nossa gente expressa com paixão, nas formas e cores do poeta Ivan Marinho.Creio que é dessa paixão, dessa imersão na vitalidade dos povos de todos os tempos humanos, que nasce a grande ARTE, aquela que permanecerá nos re-alimentando: humanidade em eterno FAZER-SE.

Urian Agria de Souza
Artista, professor de Artes-plásticas da PUC-Rio.

Contatos

ivanartemarinho@hotmail.com (fone: 81 - 35183125)

sábado, 10 de março de 2007

ARTE PÓS-CONTEMPORÂNEA DE IVAN MARINHO

O MITO DA NATUREZA ARTÍSTICA

Um dia, numa de suas aulas espetáculos, o mestre Ariano Suassuna, logo no intróito, disse: “Quero vos dizer que sou gago, e digo antecipadamente para que no decurso da aula não precisem se dar conta disso”.
Aproveito esta deixa e previno-vos que não sou intelectual acadêmico, muito menos erudito, e que o que vos comungarei aqui advém de luzes empíricas encontradas nas indagações cotidianas, muito mais filhas da incompreensão do que das compreensões experimentadas no dia normal de um homem normal.
Acompanho em textos esporádicos de personalidades importantes da crítica artística, como Ferreira Gullart, Agnaldo Farias, Affonso Romano de Sant’anna, entre outros, a polêmica que existe em torno do que se chama de arte contemporânea e, sobre isto, resolvi incorporar minha impressão.
Há alguns anos, lendo A Necessidade da Arte, de Ernest Fischer, fiquei surpreso com o marxista falando de arte como algo exclusivo para algumas pessoas, como se nela houvesse componentes que só se concatenassem em eleitos, nascidos com captadores próprios para experimentá-la ou mesmo decifrá-la. Este pensamento põe o artista numa condição especial, excepcional, assim como seu produto: a arte, produto imperceptível para a grande maioria dos seres humanos, os que não nasceram com o dom de poder gozá-lo.
Sob esta ótica os retardatários Gauguin e Van Gogh, bancário e comerciário respectivamente, reprimiram suas naturezas artísticas por muitos anos antes de descobrirem-se gênios.
Parecer semelhante dão os religiosos, que para justificarem suas diferenças de comportamento com o de seus ídolos, dizem que são apenas humanos e seus ídolos são divinos.
Penso que a sensibilidade e a percepção estéticas podem, perfeitamente ser desenvolvidas através das experiências da vida humana, no entanto, como pensava Mondrian, a gênese propulsora dessa disposição individual é a insatisfação com o mundo real. A arte, ao contrário da invenção, não é a tentativa de domínio ou superação da realidade mas, a de transcendência, a de antecipação do espírito do além-homem preconizado por Friedrich Nietzsche no século XIX. E é sobre a referência paradigmática deste além-homem que conduzo minha reflexão acerca deste tema.
A lacuna que existe entre a sociedade e a arte se assenta na demanda espiritual desta mesma sociedade, que se tornou excessivamente pragmática e temporal. O sentido da finitude cria dia após dia o homem descartável, a vida banal e a arte lixo, desprezível! O corpo social comunga do medíocre , do efêmero, como se o indivíduo não fosse em si a própria humanidade, como se toda história se acabasse com a morte dele mesmo; como se não nos eternizássemos com as absorções e mudanças promovidas por nossas ações individuais ou coletivas. Exemplo disto é o que diz que da vida não leva nada e enfia o pé na jaca, gasta o que tem, se desfaz do patrimônio em troca de prazeres imediatos, num hedonismo desesperado que não os permite, sequer, pensar que seus filhos sofrerão da mesma falta de acesso que ele sofrera.
Este pensamento de repasse, de continuidade, de desenvolvimento e melhoria da qualidade existencial é que nos faz “humanos, demasiadamente humanos, mergulhados até a lama da condição humana”, como nos canta o Mautner.
Se até a arte moderna a criação plástica era propriedade cognitiva do criador e de alguns eleitos a experimentá-la, hoje a chamada arte contemporânea está fora da possibilidade da posse cognitiva e da condição experimentável esteticamente de seus “autores”, de seus justificadores (ou curadores) e, imagine, dos “reles mortais”. Os grandes intelectuais que fazem sua defesa se põem na condição de excelência de poder não compreendê-la, como se isso fosse um mérito.
O fio condutor que nos dava o passado como base de sustentação e abria o futuro como possibilidade de amadurecimento da linguagem foi trocado pelo nada: a arte pela arte pela arte pelo nada: o fazer qualquer coisa.
Esta arte dita arte e dita contemporânea, que não consegue compreender os experimentos estéticos iniciados por Duchamp, Brancusi e outros respeitáveis, e fica se repetindo até mesmo em seqüências de objetos, poderia muito bem se apresentar como escola e autodenominar-se de Oligofrenista. Espero que o acadêmicos oligóides não tentem se amparar desta crítica no histórico crítico dos impressionistas, que foram considerados borradores, porque o tempo pôde elucidar sua importância no desenvolvimento de elementos como a luz atmosférica, o ritmo e da arte, conceitualmente, como objeto de experimentação em si. Espero também que não queiram se amparar no lapso de incompreensão do Monteiro Lobato no seu Paranóia ou Mistificação, pois o mesmo tempo supracitado se encarregou de nos por à frente descobertas fundamentais ao desenvolvimento da linguagem estética como o volume, a emotividade expressiva, a força do emplasto, as texturas, a fusão com materiais de uso cotidiano... Agora, ficar insistindo num faz de conta, que, para mim, não tem nada a ver com a ótica de Duchamp, e que vem se arrastando a procura do nada através de incompetentes, incapazes de aperfeiçoarem as qualidades estéticas desta linguagem evolutiva, por falta de domínio do acervo técnico construído historicamente, é querer botar chifre na cabeça de cavalo (do ponto de vista real).
A vanguarda parece ter virado moda e o artista, transformado em ser eminentemente “sensorial”, com um curador às suas costas a pensar por ele, ao invés de romper com os dogmas que imobilizam a possibilidade de evolução da linguagem, resolve romper com a própria razão e mergulhar no plasma da consumação babilônica, na queda no abismo infinito da incompreensão... nas trevas, como se no campo subjetivo da vida humana, o mar não tivesse cabelos e as pedras não dessem leite. Lembro novamente o escritor Ariano Suassuna que disse que na sua infância o rio que passava na propriedade de sua família era apenas um rio, até que descobriu o reino das águas claras, do encantador Monteiro Lobato, e viu seu rio transformado num mundo mágico, aberto à enriquecedora experiência da imaginação humana, ou seja, num mundo cheio de humanidades.
Acredito que todos os homens são vocacionados a desfrutar de experiências estéticas, assim como da própria criação. Como professor de educação física em escolas públicas vi, inúmeras vezes, pernas de pau, que rodavam como perus, sem saber para onde ir num campo de futebol, se tornarem os melhores articuladores, ou volantes, da equipe. Como transmissor do deleite estético, vi pessoas, aparentemente broncas, tornarem-se artistas sensíveis às nuances que muitos profissionais do meio não conseguem vislumbrar.
Acredito também, como pensa o contemporâneo francês Edgar Morin (seguindo os passos de Nietzsche) na arte como fenômeno capaz de reunir e expressar os sentidos desta existência fragmentada por tantas especialidades.
Por isso combato o Admirável Mundo Novo profetizado por Aldous Huxley, onde as pessoas nascem com natureza previsível e só realizam a plenitude de suas vidas dentro do espaço restrito dessa natureza, e grito com Goethe por luz, mais luz!
Não como na mesa destes que se esquivam de penetrar profundo no universo da criação e ficam a se masturbar com elucubrações superficiais que de tanto não encontrar razão já provaram que não a têm. E não me venham falar que a arte prescinde da razão, pois os mandarei aos porcos, ou macacos...ou a qualquer outro animal deste imenso reino. Veja que performance: uma assembléia com a fauna, com participação da flora (sem direito a voz, é claro), culminando com um manifesto neo-pragmático pré e pós coisa nenhuma.
Noves fora às ironias, deixo-vos com Carlos Penna Filho, que relutando contra as desilusões propõe como última alternativa a transitoriedade, no entanto, uma transitoriedade amorosa, eterna enquanto dure, ou, sem compostura: dura mesmo!

A solidão e sua porta

Quando nada mais resistir que valha
A pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar,
Nem o torpor do sono que se espalha.
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar,
Deixando-te sozinho na batalha
a arquitetar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida,
com tudo de insolvente e provisório.
E que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório.



Ivan Marinho.